As mulheres no contexto da Ordem do Templo, no espaço da Península Ibérica

mulheres

Introdução

Este trabalho possui como objetivo ser uma aproximação do que terão sido as ligações estabelecidas entre as mulheres e a Ordem do Templo, especialmente no contexto da Península Ibérica uma vez que escasseiam referências bibliográficas e fontes sobre o assunto. E porque, no meu ponto de vista, estas escasseiam?

Falta de interesse científico

Numa organização masculina, a presença de mulheres e o seu papel não tem motivado muito interesse científico;

Ocultação da presença feminina na Ordem

Numa organização onde a mulher oficialmente não existia, não abundam relatos destas;

“Quanto às mulheres, a regra contém um enunciado muito específico e misógino. Proibia a proximidade e a familiaridade dos freires com as mulheres, mesmo que fossem do seu círculo familiar mais direto. No entanto, pelo menos nos primeiros anos da história da Ordem, haveria mulheres que de algum modo estavam associadas à comunidade. (…) O grau de cumprimento desta determinação é muito questionável, uma vez que se encontram referências, embora muito raras, a mulheres no âmbito da instituição, incluindo em Portugal, como se verá.” [1]

A História era dos Homens

Naquele tempo, a História, sobretudo factual, era escrita por homens;

As questões linguísticas

É difícil levar a cabo uma investigação onde os termos tinham mais do que um significado. Por exemplo, Aurembaix, condessa de Urgel, entregou-se à Ordem de Santiago como irmã em 1229, mas nesse mesmo ano ela é citada como tendo casado com Pedro, filho de D. Sancho I, de Portugal.

Outro senão nesta investigação

Os autores não se põem de acordo com o estatuto que as mulheres possuíam no seio da Ordem do Templo, isto é, uns dizem que elas seriam freiras, isto é, fariam os votos de castidade, pobreza e obediência, como os frades, outros não.

“Os templários não deixaram de as receber nas suas casas, quer como freiras quer como confrades” [2]

“As apelidadas freiras que constam na documentação portuguesa não seriam tanto freiras de pleno direito, mas sim beneficiárias do universo espiritual da instituição” [3]

“Algumas contradições entre os contributos são inevitáveis. Ainda não foi realizada explicitamente uma tentativa sistemática para identificar os erros e as más interpretações muitas vezes repetidas na literatura. Muito trabalho continua por fazer (…)”[4]

Todos os autores concordam, porém que as mulheres não eram investidas damas e que não iam para a guerra.

Antes de continuar quero salientar que, neste ensaio, aparecerão referências a ligações das mulheres a outras ordens militares e/ou religiosas. Na verdade, como verão mais à frente, as mulheres ligavam-se às ordens não apenas por razões religiosas, mas também por razões sociais e económicas pelo que, o que é citado relativamente, por exemplo, à Ordem do Hospital serve para definir a ligação das mulheres à Ordem do Templo.

Confreires

“Na Ordem do Templo, e para além dos homens, entravam casais (…) passando a ter o estatuto de confreires. (…) Não usavam hábito ou manto branco nem deveriam viver na mesma casa em que estavam os freires que tinham feito voto de castidade. Beneficiavam da entreajuda que a Ordem garantia à semelhança do que acontecia em inúmeras confrarias medievais” [5]

Irmãs leigas, fratrissas e donatas

Irmã leiga distingue um membro ordenado de outro não ordenado [6]. No caso dos Templários, este termo distingue a irmã leiga do freire. Possivelmente, porém, será outra designação para confrade/confreire.

Imagem medieval de irmão leigo [7]
Ainda existem outros termos para designar a ligação das mulheres com a Ordem tais como fratrissas e donatas.

Porque se ligavam estas mulheres à Ordem do Templo?

“As mulheres estavam ansiosas para ingressar no Hospital (Ordem) por vários motivos, provavelmente muitas vezes exagerados. Algumas tinham sérias intenções espirituais ou penitenciais; outras eram viúvas ou solteiras, ou tinham alguma ligação tradicional ou familiar com a Ordem; ou simplesmente moravam perto de uma casa religiosa que lhes convinha. Ocasionalmente, as mulheres podem ter procurado escapar para uma família substituta fornecida por uma comunidade feminina.” [8]

Em resumo, muitas mulheres procuravam proteção espiritual, muito ao jeito medieval, outras procuravam proteção física, segurança e até ajuda à sua sobrevivência.

Em certos casos, os Templários ajudavam com comida ou dinheiro de uma forma regular ou ocasional. Por exemplo, os Templários da casa catalã de Gardeny prometeram a Nina de Talladell que lhe proveriam assistência se ela ficasse na pobreza extrema. [9]

O que davam em troca e qual o interesse em recebê-las?

Em troca da integração e/ou proteção, a mulher e/ou o casal dava a totalidade/parte dos seus bens.

“As casas hospitaleiras podem ter estado ansiosas pelas propriedades de uma mulher” [10]

A mulher daria também a sua força de trabalho. Sobre este último aspeto, há divergências entre autores.

“Uma vez que o Templo e Calatrava não possuíam deveres hospitalários, esta função não pode ser atribuída às mulheres que se associavam às casas masculinas destas ordens. As casas das mulheres dependiam inevitavelmente da assistência masculina, tanto em questões espirituais como temporais” [11]

“De acordo com Alysson Polska e Kirsten Schultz as estruturas ibéricas e as instituições prescreviam papéis ativos para as mulheres e permitiam uma autonomia feminina extensiva” [12]

Como vimos, as mulheres ligadas ao Templo, por princípio, não tinham deveres hospitalários. Elas realizariam outras tarefas domésticas. Mas,

  1. Pelo facto de aparecerem mulheres citadas, não quer dizer que estas levassem uma vida religiosa. Elas poderiam ser mulheres pagas.
  2. Pelo facto de aparecerem mulheres que possuíam uma vida religiosa não quer dizer, também, que realizassem tarefas domésticas. A vida religiosa era um fim em si mesmo.

Freiras e confreires templários portuguesas: exemplos

A investigadora Professora Doutora Paula Pinto Costa refere nas páginas 174 e 175 do seu livro “Templários em Portugal: Homens de Religião e de Guerra [13], que há registos de 4/5 freiras:

  • D. Teresa Mendes;
  • D. Maria Pais;
  • Estefânia
  • D. Sancha Peres;
  • D. Sancha Pais, como fratrissa

.
Como confreires, a investigadora refere:

  • Fernando Eanes e D. Odrósia;
  • Pedro Saião e Gotina Saião;
  • Sancha Esteves;
  • D. Sancha Martim e Pedro Martim;
  • Egas Velho do Tojal;
  • Domingos Peres e Ausenda Martins;
  • D. Estevão Peres Espinhel e D. Maria Peres.

.
A propósito destes últimos, debrucemo-nos sobre outra questão.

Teria havido um convento de freiras templárias em Portugal?

A investigadora já referida afirma que não se conhece convento feminino em Portugal até porque, segundo a própria, “seria difícil garantir condições para o enquadramento destas senhoras templárias no contexto de uma instituição com o perfil da do Templo” [14]

Porém, numa escritura feita em 17 de maio de 1290, a mando de D. Maria Peres, faz-se referência a um convento, em Tomar, dentro da cerca do castelo, mais concretamente junto à igreja de Santa Maria do Castelo.

Localização dos Edifícios [15]
Nesta escritura diz-se que os cônjuges, D. Maria Peres e D. Estevão Pires Espinhal, se haviam separado e ela fez-se templária, como ele, que depois foi Comendador de Santarém.” [16]

Casas e conventos

Até ao final do século XII, as mulheres que adotassem uma vida de devoção e oração – e não eram incomum – faziam-no acomodando-se em edifícios adjacentes às casas religiosas masculinas com quem mantinham laços.

Porém, nas últimas décadas desse mesmo século, começaram a surgir os primeiros conventos femininos.

Traçar esta história, segundo Alan Forey [17] é uma tarefa árdua uma vez que, por vezes, há dificuldade em determinar se as fontes se referem a convento feminino ou apenas a um grupo de irmãs ligadas a uma casa masculina.

É certo, porém, que o número de conventos para mulheres era relativamente pequeno.

O estabelecimento de um convento possuia motivações sociais e económicas – não era apenas considerado um meio de salvação. Muitas vezes era uma forma da líder religiosa entrar na vida religiosa, leia-se hierarquia religiosa.

Convento de Tomar [18]
A ligação do convento/casa de mulheres religiosas a uma ordem militar e/ou religiosa possuía iguais motivações. Esta filiava-se na ordem melhor estabelecida como forma de garantir a sua prosperidade futura.

Freiras catalãs: exemplos

“Ermengarda de Oluja, com o seu marido Gombau juntaram-se à Ordem do Templo doando terra. Marido e mulher forma separados e para casas diferentes tendo Gombau desaparecido dos relatos poucos anos mais tarde. Ermengarda, porém, era única. Ela é citada nos documentos como irmã da Ordem. Não como irmã leiga, consorte ou donata (…) Ermengarda é referida como preceptiz, comandando a casa de Rourell, na Catalunha” [19]

Ermengarda admitiu uma outra mulher, de seu nome, Tiborga, na Ordem, como irmã, na casa de Rourell.

Berengaria de Lorach que é descrita como donata e irmã, no século XIII, na casa catalã de Barbará “perseguia provavelmente uma forma de vida religiosa, pois em depoimentos em seu nome aparece entre os dos irmãos e também é documentada como aconselhando o responsável de Barbará” [20]

Conclusão

  1. Apesar dos estatutos iniciais da Ordem proibirem a ligação das mulheres a esta instituição, os Templários aceitaram aquelas que renunciaram aos seus bens e à vida mundana entregando-se à Ordem. Pode dizer-se, portanto, que houve algumas “freiras” ou “irmãs” e algumas delas tiveram funções de gestão e chefia.
  2. As condições durante os 200 anos de vida dos Templários certamente alteraram-se e os contextos que eles viveram também foram muito diversos dando espaço a formas diferenciadas de relacionamento com as sociedades, em geral, e com as mulheres, em particular.
  3. Este trabalho não está concluído e penso que o estudo científico da ligação das mulheres à Ordem do Templo também não, ainda menos a ligação das mulheres portuguesas.

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Maria Mocho – Comenda de Santo André de Mafra (OPCTJ)

Notas

[1] Costa, janeiro 2020, p. 91

[2] Vasconcelos e Sousa, B. (Dir), Pina, I., Andrade, M. F., Santos, M. L., maio 2016, p. 457

[3] Costa, janeiro 2020, p. 174

[4] Luttrell &Nicholson, 2016, p. xiii

[5] Costa, janeiro 2020, p. 90

[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3o_leigo

[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3o_leigo

[8] Luttrell, 2016, p. 40

[9] Forey, 2016, p. 43

[10] Luttrell, 2016, p. 40

[11] http://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.4324/9781315253213-2/women-military-orders-twelfth-thirteenth-centuries-alan-forey

[12] Gonzalez, 2021, p. 1181

[13] Costa, janeiro 2020, pp 174 -175

[14] Costa, janeiro 2020, pp 174 -174

[15] Bento, 2014, p. 76

[16] Bento, 2014, p. 76

[17] Forey, 2016, p. 49

[18] https://pt.wikipedia.org/wiki/Convento_de_Cristo

[19] Turney, S.. Historia Magazine, 9 April 2018. https://www.historiamag.com/women-of-the-knights-templar/

[20] Forey, 2016, p. 46

Referências bibliográficas

  1. Bento, M. J.. Convento de Cristo – 1420 – 1521 – Mais do que um século. Tese de Doutoramento em Letras, na área de História, especialidade de História de Arte. Universidade de Coimbra, 2014.
  2. Costa, P. P.. Templários em Portugal: Homens de Religião e de Guerra. Manuscrito Editora, 2.ª Edição, janeiro 2020.
  3. Forey, A.. Women and the Military Orders in the Twelfth and Thirteenth Centuries. In Hospitaller Women in the Middle Ages, Routledge Taylor & Francis Group, London and New York, 2016, pp. 43 – 69
  4. Gonzalez, H. L.. Female Spaces in the Military Orers: Women’s Agency and the Encomiendas in Seventeenth-Century Spain. In Ordens Militares, Identidade e Mudança. Textos selecionados do VIII Encontro sobre Ordens Militares, Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS), Município de Palmela, pp. 1177 – 1196
  5. Luttrell, A., Nicholson, H. J.. A Survey of Hospitaller Women . In Hospitaller Women in Middle Ages. Routledge Taylor and Francis Group, London & New York, 2016, pp. 1 – 42
  6. Vasconcelos e Sousa, B. (Dir.), Pina, I., Andrade, M. F., Santos, M. L.. Ordens Religiosas em Portugal: Das Origens a Trento. Guia Histórico. Livros Horizonte, Lisboa, 3.ª Edição, maio 2016.

Outros documentos

  1. Turney, S.. Historia Magazine, 9 April 2018. https://www.historiamag.com/women-of-the-knights-templar/
  2. https://pt.wikipedia.org/wiki/Convento_de_Cristo
  3. https://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3o_leigo

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