A extinção da Ordem do Templo e a criação da Ordem de Cristo
A Ordem do Templo (Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, em latim: “Pauperes commilitones Christi Templique Salomonici”, também designada pela expressão corrente “Cavaleiros Templários”), deteve largos domínios no Nordeste Transmontano. Em grande parte, essas possessões vieram à alçada da Ordem do Templo por doação da poderosa estirpe dos Braganções, que à época (séc. XII) eram os tenentes desta área. Como é sabido, a Ordem do Templo viria a ser perseguida e dissolvida por acção concertada do Papa Clemente V e do rei francês Filipe IV (“o Belo”), principal devedor financeiro da sagrada Ordem, por um processo que teve início em 1308 e teve corolário na Bula Callidi Serpentís vigil, de Dezembro de 1310, que ordenou a prisão dos Templários e a sua perseguição sem tréguas. Nessa sequência, os supracitados suseranos determinaram a apreensão do património dos Templários e a sua entrega à Ordem do Hospital. De um modo geral, com alguns abusos e descaminhos patrimoniais pelo meio, foi o que sucedeu um pouco por todo o lado.
Com três excepções: os reinos de Portugal, o reino de Leão e Castela e o reino de Aragão. Na época, reinava em Portugal D. Dinis. O monarca luso receava a influência francesa sobre a Ordem dos Hospitalários. E, simultaneamente, era conhecedor da importância e peso dos Templários na orgânica nacional. Razões pelas quais o soberano português cuidou de salvaguardar o seu património e conhecimento, impedindo a entrega do mesmo à referida Ordem do Hospital. Conseguiu-o através de um engenhoso estratagema, alegando que os bens eram da Coroa e apenas tinham sido entregues à Ordem do Templo para uso perpétuo. Em aliança com os monarcas vizinhos, Fernando IV e Jaime II, respectivamente, argumentou junto do Papa que necessitava dos bens para auxiliar no combate aos infiéis que assolavam as costas marítimas, tendo os homólogos usado semelhante argumento em relação ao belicoso inimigo muçulmano que combatiam a Sul [1].
Após o sucesso obtido com as manobras diplomáticas conjuntas com os referidos monarcas que tiveram a duração aproximada de quatro anos, e foram facilitadas pelo falecimento de Clemente V e Filipe IV, D. Dinis tomou a decisão de criar uma estrutura em tudo idêntica à da Ordem do Templo, por forma que lhe permitisse manter na essência quer o património, quer a organização social que aquela tinha consolidado em solo lusitano. Para isso, criou a Ordem de Cavalaria de Jesus Cristo que, no fundo, era a mesma coisa que a extinta Ordem do Templo, mas com uma denominação diferente. Tal como se relata na página electrónica da Presidência da República Portuguesa, “
a Ordem Militar de Cristo foi instituída pelo Rei D. Dinis em 1318 e confirmada pela Bula Ad ea ex quibus dada pelo Papa João XXII em Avignon, em Março de 1319. A Bula foi emitida a pedido do Rei D. Dinis para que a Ordem criada sucedesse à Ordem do Templo, extinta em 1311 pelo Papa Clemente V Os bens dos Templários ficaram assim atribuídos à nova Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que teve a sua primeira sede na Igreja de Santa Maria do Castelo, em Castro Marim. Em 1356, a sede transferiu-se para o Castelo de Tomar, antiga sede da Ordem do Templo em Portugal.” [2]
Os bens da Ordem do Templo e da Ordem de Cristo no concelho de Torre de Moncorvo
Como vimos, os bens que a Ordem do Templo possuía, passaram para a esfera patrimonial da Ordem de Cristo. Em 1503, o Capítulo Geral da Ordem de Cristo tomou a decisão de mandar visitar todas as suas propriedades, com o objectivo de determinar o seu estado de conservação e a sua utilização e consequente utilidade, bem como fiscalizar o cumprimento dos contratos que as oneravam, etc. Esse desiderato foi levado a cabo entre os anos de 1504 e 1510.
A crer no Tombo da Ordem de Cristo de que se vem falando, a Ordem possuía um leque assinalável de bens, essencialmente de natureza rústica, dispersos um pouco por todo o concelho, mas também alguns urbanos no concelho de Torre de Moncorvo, nomeadamente umas casas sobradadas e com três arcos de cantaria, situadas na praça central da vila.
As casas que a Ordem possuía em Moncorvo foram alvo de algumas trocas, de que os documentos falam, sendo que uma delas envolveu o escambo com propriedades situadas na aldeia de Ventozelo, do concelho de Mogadouro, como se pode ver neste trecho:
Estes beens ficarom per morte de duarte de sousa comendador desta comenda e foram dados aa hordem pellos herdeiros do dito defuncto por huuas casas desta comenda que o dito defunto enlheou aa hordem e estavam na torre de mencorvo e som ora de diego de sampayo contador. Os quaaes bens foram entregues a alvaro pirez de tavora comendador da dita comenda do mogadoiro, e o dicto comendador estaa deles de posse, como claramente consta per huus autos públicos que disso mandou fazer el rrey nosso senhor per o bacharel pero vaaz corregedor de tras os montes, e estam no cartorio do conto: e foram fectos a xiiij de março de bc xv” [3]
Contudo, estes negócios nem sempre foram pacíficos, pois existiu um pedido de anulação de uma dessas trocas feita a favor do mesmo contador. Além disso, no rol elencado no Tombo também consta a anotação de que alguns desses bens também andavam sonegados, o que denota algum desleixo ou cumplicidade dos Comendadores da Ordem.
Como a Comenda de Santa Maria de Torre de Moncorvo da Ordem de Cristo só foi criada a partir de 1514, tal como o insigne Abade de Baçal [4] refere, pois foi nesta data que o Papa Leão X concedeu ao rei D. Manuel I que se tirassem 20 mil cruzados de rendas nos frutos das igrejas e mosteiros do país para se constituírem Comendas da Ordem de Cristo, é lícito deduzir que o acervo da Ordem de Cristo existente no concelho e elencado antes dessa data, tivesse sido herdado da Ordem do Templo (com forte probabilidade de este património se encontrar sob a alçada da Comenda de Santa Maria a Velha de Castelo Branco, concelho de Mogadouro). Ainda antes disso, temos notícia da existência de património da Ordem do Templo no concelho de Torre de Moncorvo. Essa referência pode ser encontrada nas Inquirições de 1258, promovidas por D. Afonso III, no inquérito respeitante à localidade de Santa Cruz da Vilariça:
“et seit quod homines de ipsa villa de Sancta Cruce mandaverunt ordini Tenpli et Ospitali et monasterio de Burio hereditatem regalengam de ipsa villa de Sancta Cruce pro suis animis in tenpore istius Regis et de suis antesessoribus et non faciunt inde forum sed faciunt inde forum HH qui remanerunt in erancia de Ulis qui mandaverunt hereditatem predictis ordinibus.” [5]
A Comenda da Ordem de Cristo de Torre de Moncorvo
Tendo a Ordem de Cristo espólio material no concelho de Torre de Moncorvo, seria natural que ali encontrássemos referência a membros da dita Ordem, que, seguramente aqui estabeleceram a sua vida. Em Torre de Moncorvo chegaram a existir duas Comendas, como nos informa o citado Abade de Baçal, citando a Corografia de Carvalho da Costa, que menciona a existência de uma Comenda na Adeganha (cfr. Vol. I).
Apesar disso, na pesquisa feita no Arquivo digital da Diocese de Braga apenas surgiu o nome de José Luís Carneiro de Vasconcelos, fidalgo e cavaleiro da Ordem, que vivia na vila de Torre de Moncorvo, onde possuía casas com capela, que mandou benzer em 29 de dezembro de 1756.
Já no que diz respeito ao arquivo digital da Torre do Tombo, surgiram vários outros nomes, a saber:
- Manuel de Morais Faria Antas da Silva, cavaleiro da Ordem de Cristo, mestre de campo de infantaria auxiliar das comarcas de Miranda do Douro e Torre de Moncorvo;
- António de Lacerda Pinto da Silveira, Tenente-coronel do regimento de milícias da Torre de Moncorvo;
- António Luís de Carvalho e Castro, fidalgo cavaleiro da Casa Real, capitão-mor da Torre de Moncorvo;
- Alexandre José Malheiros, Coronel graduado do regimento de milícias de Moncorvo;
- Bernardo da Silva Moura, médico;
- Bento de Morais;
- Domingos Martins Feio, natural do Felgar;
- Francisco de Ledesma Torres;
- Francisco Xavier de Morais, bacharel, corregedor da comarca de Moncorvo;
- Henrique Carlos de Sousa e Magalhães;
- João Carlos de Oliveira Pimentei;
- Manuel Inácio Ferreira de Sousa;
- Manuel Vaz da Cruz, familiar do Santo Ofício;
- Pedro Juzarte da Fonseca, Corregedor de Torre de Moncorvo.
Omitiram-se alguns nomes com avoengos em Torre de Moncorvo, mas residentes noutras partes do país, nomeadamente em Lisboa, bem como outros que pertenciam à então Comarca de Moncorvo, mas sem qualquer ligação ao concelho (Murça, Panóias, Alfândega da Fé ou Carrazeda de Ansiães, por exemplo).
Além dos nomes atrás indicados, aparece ainda referência a um requerimento de António José Ferreira, Juiz de Fora de Moncorvo, datado de 1825, a solicitar a mercê do hábito da Ordem de Cristo. Outro de Francisco de Assis da Fonseca, Corregedor da comarca, datado de 1804, com o mesmo fim. E em 1822, João Carlos de Oliveira Pimentel, solicitou a concessão do hábito da Ordem para seu filho Luís Cláudio de Oliveira Pimentel (que ele mesmo viria a pedir em 1827).
Conclusão
Este breve e quase telegráfico apontamento não esgota, longe disso, o tema, ficando muito por dizer. Resta agradecer esta oportunidade concedida pela OPCTJ e pelo Município de Torre de Moncorvo para a explanação deste minúsculo estudo. Deixo ainda uma palavra de agradecimento ao Dr. Rui Leonardo por algumas das informações aqui vertidas, nomeadamente a referência às Inquirições de 1258.
Antero Neto – Comenda de Mogadouro Penas Róias (OPCTJ)
Palestra proferida no âmbito do evento “Dias Templários”, em Torre de Moncorvo, no dia 20 de maio de 2023.
Notas
[1] Fonte: FERNANDES.
[2] Fonte: http://www.ordens.presidencia.pt
[3] “Tombos da Ordem de Cristo”, pp. 161-164.
[4] “Memórias”, Vol. X, pág. 608-609.
[5] “Memórias”, Vol. IV, pág. 71 e ss.
Bibliografia
- ALVES, Francisco Manuel, Abade de Baçal, “Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança”, Câmara Municipal de Bragança/lnstituto Português dos Museus – Museu do Abade de Baçal, Bragança, 2000.
- FERNANDES, Maria Cristina Ribeiro de Sousa, “A Ordem do Templo em Portugal: algumas considerações em torno das fontes para o seu estudo”, revista História, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, III Série, 8, Porto, 2007, pp. 409-420.
- “Tombos da Ordem de Cristo”, VII, “Comendas de Trás-os-Montes e Alto Douro”, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2014.